Open your mind

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Eu sou do morro, O morro é meu.

Levamos vários meses bolando o plano, tudo deveria ser perfeito, ele não podia escapar.
Eu não podia me aproximar, afinal o Brinquedo já tinha pedido minha cabeça ou informações de minha localidade e esse foi o erro dele, eu o conhecia muito bem, sabia que viria pessoalmente para acabar comigo, pois como ele sempre dizia, não gostava de pontas soltas. O Duda passaria a localização pra ele, mas ele não é tão burro, ia mandar alguém para confirmar antes, eu estava lá onde o Duda falou, em uma parte baixa do morro, sentado com minha arma na mão enquanto esperava pelo Brinquedo. Passadas algumas horas ele chegou, todo cheio de marra acompanhado de seu dois capangas que ficavam abaixo de mim. Eu sabia que ele não chegar atirando, era confiante demais pra isso e também ainda viria o discurso: “Você sabe que não é nada contra você, simplesmente não posso permitir que um zé-ninguém tenha mais admiradores que eu. É tudo uma questão de negócios”. Enquanto ele falava, segurava sua arma, balançando de um lado para o outro e ao mesmo tempo, meu pessoal foi se organizando, cada um no seu devido lugar, exceto um. Quando comecei a rir e levantei minha arma, senti um calor nas costas, uma dor, sangue…alguém me traiu. Olhei para trás e lá estava o Duda, uma das poucas pessoas com quem eu realmente contava. “Você achou mesmo que não sabia de nada, achou que iria me pegar disparecido?” É claro, ele sabia de tudo que acontecia naquele morro, eu que me descuidei em confiar nas pessoas mas como dizia minha mãe, no morro só existem dois destinos possíveis: ou você sai morto ou vai preso. Ali eu caí, ali eu morri, acreditando que poderia ajudar as pessoas, melhorar um pouco o buraco em que elas vivem. O morro te consome, toma sua alma e depois te joga na merda e já não há nada que você possa fazer. Assim termina minha história, o fim é previsível, mas é isso que se vê por aqui, não podemos continuar assim. Se você mora no seu condomínio com segurança e toda essa porra, não se esqueça “aquele que nasce no morro não tem a mesma vida ou escolha que você” pense antes de nos julgar.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Minha vida no morro, O morro em minha vida

 Já se passou algum tempo desde que ela me deixou, não a culpo, no lugar dela eu provavelmente teria feito o mesmo. Com o passar do tempo fui ficando mais violento e com isso minha ''fama'' foi aumentando o que nem sempre é bom.
 O meu chefe começou a se sentir incomodado com isso e logo me colocou como seu braço direito, foi a primeira vez em que eu peguei numa arma. Passei a fazer cobranças, como já deve imaginar, muitos morreram pelas minhas mãos e eu nem me importava, o mundo não foi bom comigo, porque eu teria que ser bom com os outros?
 Era morte atrás de morte e o "Brinquedo" achava tudo aquilo muito bom, ele tinha nas mãos uma arma letal, ninguém iria contra ele, todos tinham medo, mas medo de mim. Foi quando eu percebi que o próprio Brinquedo estava com medo, mas já era tarde, ele já havia armado pra mim, uma emboscada no meio do morro, quase fui morto, por sorte eu conheço esse morro como a palma da minha mão. Me escondi por um tempo, nesse período fui juntando uma turma para me ajudar, querendo ou não eu era muito popular no morro, uns se juntaram à mim por medo, outros por respeito. Já estava decidido, o morro precisava de um novo comando, de alguém que o povo realmente tivesse respeito e não medo. O Brinquedo tinha que morrer e foi como se todo o morro sentisse que esse momento estava chegando. Todo meu ódio seria liberado, toda a raiva que estava há muito tempo contida, ele finalmente iria presenciar o monstro que ele mesmo havia criado.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Meu Filho e o Morro, O Morro e Eu

Deixa eu te perguntar uma coisa, você já perdeu um filho? Já foi abandonada pelo seu parceiro?
Se a resposta for sim, então sabe exatamente pelo o que eu passei, sabe exatamente com o que eu tenho que lidar todos os dias da minha vida.
Ainda bem que tenho o Jhonny, meu filho querido. Sei que não sou uma ótima mãe, afinal, as únicas coisas que realmente me importam são minha garrafa e minha melhor amiga, aquela que nunca me abandona, que anima e me faz querer viver. Sim, eu sei que você sabe do que estou falando, ela é branquinha, deliciosa..claro que é a cocaína. Vários tentam tirar de mim, mas ela é minha, de mais ninguém, ela nunca me deixou sozinha, mesmo
quando aquele traste me espancou, ou quando ele abusou de mim, mesmo quando ele me deixou sozinha com duas crianças. Ela sempre está comigo, é ela que alivia a minha dor quando aqueles malditos insetos aparecem e entram pela minha pele, querem tirar de mim, querem tirar tudo, mas não vão conseguir. Meu filho foi morto à balas, o corpo encontrado em uma vala, o rosto desfigurado pelos tiros. Ainda bem que meus amigos estão sempre comigo, não vão me abandonar. Mal vejo o Jhonny, acho que ele não gosta de de mim, isso, vai me abandonar igual ao pai, isso. Eu preciso dos meus amigos, meu pó, minha bebida, isso, jamais vou ficar sozinha outra vez.
As pessoas me olham com ar de desprezo, não ligo, meus amigos nunca vão me desprezar, já não saio mais de casa, exceto quando preciso ver meus amigos.
Não aguento mais isso, meus amigos me fazem falta, não aguento mais essa vida, já sei, tem um vidro de álcool, ele pode ser meu amigo também....
...que delícia, estou bem agora, viu, fiquei calma, tranquila, consigo até segurar essa arma, você não está vendo? 
Aquele insetos estão aqui, por favor, faz parar, não aguento, dói muito, acho que sei como fazer isso parar, é só não sentir mais dor nenhuma.

Filho, eu te amo... 


Na calada da noite, um tiro é ouvido pelo morro, o vento leva aquele som para longe,            ninguém se importa , é apenas mais um tiro disparado, mais um negro morto, mais um número nas estatísticas.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Eu e o morro, o morro e eu...

Muitos dizem que na vida você é o que escolhe ser, mas é muito fácil falar de escolha quando você
pode escolher o que vai comer, beber ou vestir, o problema é quando a única opção que te resta
é passar fome, abandonar os estudos para tentar descolar uma grana...essas coisas as pessoas não falam, não ligam, afinal não é uma realidade pra elas mas pra nós, que nascemos e crescemos aqui no
morro, essa  por muitas vezes é a única realidade que conhecemos. Aposto que seu primeiro pensamento ao ler minha palavras foi : mais um negro pobre me enchendo. Não te culpo por pensar dessa maneira, pois infelizmente essa é uma realidade do país em que vivemos, sou negro, pobre, moro no morro. Meu nome é Jhonny, meu apelido, Saci, isso porque gostava muito de aprontar uma bagunça, mas minha vida logo mudou quando o João, meu irmão mais velho foi morto em uma troca de tiros entre a polícia e os traficantes do morro, desde então a vida têm sido dura, saí do colégio para arrumar um emprego, afinal, era meu irmão quem colocava algum dinheiro em casa. Depois que meu pai foi embora, minha mãe se tornou uma alcoólatra viciada em pó. Por sorte sempre tive muitos
amigos por aqui, consegui um trampo na padaria do Batata, cara gente boa. Ele não pagava muito bem, mas era o que tinha. Trabalhei com ele por muito tempo, até o dia em que eles mataram o Batata por falta de pagamento da ''patrulha''. Era assim que chamavam, os traficantes não deixavam nada acontecer a você ou ao seu estabelecimento desde que pagasse por isso, afinal nada é de graça. Foi nesse momento que minha vida mudou, sem emprego e sem estudos, eu me vi numa encruzilhada, sem saber pra onde ir. Minha mãe já estava devendo muito pros caras lá do morro, quase morremos algumas vezes, foi aí que me ocorreu a ideia: vou trabalhar pra eles, assim pago as dívidas da minha mãe e sobra uma grana. Falei com o chefe lá o Brinquedo, e ele logo topou, afinal e´sempre bom ter alguém em quem colocar a culpa caso aconteça qualquer coisa.
O trampo era fácil, só entregar e receber, passava a quantia pra outro cara e daquela grana dez reais eram meus, eu sei, parece pouco, mas quando você pensa na quantidade de entregas, o pouco vira muito.
Eu estava feliz, meu único pensamento era o dinheiro que eu estava ganhando, e quando você ganha tanto dinheiro fácil assim,, a última coisa que passa pela sua cabeça é deixar isso pra trás e encontrar um emprego em qualquer outro lugar, porém minha vida ia se complicar ainda mais, mas eu nem pudia imaginar o quanto.